O PRINCIPIALISMO BIOÉTICO
A Bioética tem como paradigma antropológico- moral o valor supremo da pessoa: sua dignidade, vida, liberdade, autonomia.Destacam FORTES (1998) e CLOTET (2003) a necessidade de compreender as preocupações bioéticas em conjunto com o movimento social da luta pelos direitos humanos. Foi a partir da discussão inicial sobre os direitos dos consumidores de serviços de saúde nos E.U.A. que surgiu o movimento sobre o direito dos enfermos e a retomada das discussões sobre o papel dos diversos atores sociais envolvidos na relação médico-paciente. A partir deste contexto, amplia-se a discussão bioética.Na segunda metade do século 20, a partir da reação do público americano à divulgação de uma série de pesquisas realizadas nesse país, na área médica, e que envolviam seres humanos (PESSINI; BARCHIFONTAINE,2000; MELLO et al; 2003), o governo americano estabelece, em 1974, a National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Researchcom o objetivo de regulamentar estas pesquisas.No decorrer dos trabalhos desta comissão, entretanto, surge a necessidade de estabelecimento de princípios éticos básicos que forneceriam um norte aos pesquisadores. A este trabalho denominou-se Informe Belmont, publicado em 1978. A base deste relatório foi a constatação de que apenas os códigos deontológicos das profissões da área da saúde não eram suficientes para fornecer parâmetros éticos em situações complexas, sendo que existiam regras que, em casos concretos, poderiam entrar em conflito.Destarte, o relatório estabelece três princípios norteadores da pesquisa a ser realizada em humanos: os princípios do Respeito às Pessoas (Autonomia), da Beneficência e da Justiça. Em 1979, com base na ética kantiana, Beauchamps e Childress acrescentam aos anteriores um quarto princípio: o da não-maleficência. Consagra-se, assim, a utilização destes quatro princípios como referencial teórico em Bioética.Os princípios bioéticos são, na verdade, critérios de decisão. São deveres prima facie, isto é, deveres condicionais, independentes uns dos outros e incontestáveis. (KIPPER; CLOTET, 1998)
II.I. PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA
Beneficência significa fazer o bem (bonnum facere), visando o maior benefício para o paciente.Desde a época hipocrática os profissionais da saúde têm como uma de suas máximas éticas o princípio de não causar prejuízo ou dano a alguém quando da execução de seus atos profissionais. O princípio da beneficência, portanto, busca o bem do paciente, minimizando ou suavizando os transtornos de quem padece. Sua finalidade é a de promover a saúde e prevenir as doenças (não causar dano), pesando os bens e os males, priorizando sempre os primeiros (maximizar possíveis benefícios, minimizando prejuízos).BERNARD (1998), hematologista francês, assim expõe: "todo ato terapêutico, toda decisão, tem como alvo proporcionar um auxílio eficaz a uma pessoa enferma em perigo".
II.II. PRINCÍPIO DA NÃO-MALEFICÊNCIA
Já a não- maleficência,princípio que também remonta à tradição hipocrática, trata-se segundo FRANKENA de: "prevenir danos, retirar os danos causados". (KIPPER; CLOTET, 1998)Associa-se à omissão (não fazer), enquanto a beneficência é ação (fazer). Destaque-se que alguns consideram o princípio da não-maleficência como elemento integrante do princípio da beneficência.Ressalta-se que os citados princípios não devem ser confundidos com o paternalismo, o qual anula totalmente a autonomia do paciente, e, em algumas situações fere sua dignidade. O paternalismo deve ser evitado por todos os profissionais de saúde, sendo inclusive considerado como um desvirtuamento da relação médico-paciente, pois o médico passa a agir como fonte de poder e o paciente como pólo frágil, criando-se uma relação desproporcional entre o médico e o paciente. É associado a superproteção, infantilismo, inibição, autoritarismo. (KIPPER; CLOTET, 1998)
II.III. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
Em 1914, nos E.U.A, o juiz Benjamim Cardozo, sentenciou no caso Schoelendorf (caso em que foi realizada uma cirurgia no paciente com extensão superior à por este autorizada) que "todo ser humano de idade adulta e com plena consciência, tem o direito de decidir o que pode ser feito no seu próprio corpo". Esta sentença traduz o princípio da autonomia (MUÑOZ; FORTES, 1998)O vocábulo autonomia deriva do grego: Autos= próprio; Nomos= norma, regra, lei. Significa autodeterminação, autogoverno: a própria pessoa toma suas próprias decisões. Pressupõe que a pessoa deve ser livre de coações (internas ou externas) para que possa escolher a alternativa que melhor lhe convém; devem existir alternativas diferentes para que ela possa realizar a escolha livremente e que a pessoa tenha capacidade para agir segundo a escolha que fez.A autonomia pode sofrer restrições decorrentes de fatores como a idade ou doenças (crianças, deficientes mentais, pacientes em surtos psicóticos agudos, drogaditos).No Brasil este princípio passa a ser incorporado em uma série de códigos deontológicos das profissões da área da saúde a partir da década de 80. Nestes códigos costuma expressar-se mediante o princípio da informação: sem ampla informação o paciente não tem como tomar uma decisão, exercer sua autonomia. (MUÑOZ; FORTES, 1998)A autonomia materializa-se no consentimento esclarecido, que decorre do direito da pessoa autônoma consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que afetem ou venham a afetar sua integridade físico-psíquico-social.O consentimento esclarecido presume informação, compreensão do que foi dito, sem coação ou manipulação de informações. Todos os riscos do procedimento devem ser informados, as diferentes alternativas terapêuticas ou diagnósticas existentes para o caso devem ser claramente expostas.Destaca-se, por fim, que o princípio da autonomia implica em que o paciente não queira ser informado: pode ser esta a sua escolha e como tal deve ser respeitada. Caso isto ocorra, deve-se solicitar ao paciente que indique qual parente ou amigo deverá ser informado sobre o que com ele ocorre ou ocorrerá. O consentimento do paciente, destaca-se, é renovável ou, até, revogável. (MUÑOZ; FORTES, 1998)
II.IV. PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Em 1971, John Rawls lança "A Theory of Justice",obra na qual procura estabelecer a justiça como equidade. Fundamentado no princípio kantiano do indivíduo como pessoa moral e autônoma, estabelece uma ponte com a sociedade, a qual deve garantir condições para que o indivíduo aja como ser moral. Parte da máxima de que uma sociedade somente será justa se "todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, ingressos e riquezas, assim como as bases sociais a respeito de si mesmo- forem distribuídos de maneira igual, a menos que uma distribuição desigual de algum ou de todos esses valores redunde em benefício para todos, em especial para os mais necessitados". (SIQUEIRA, 1998).Portanto, é o princípio da justiça a equidade na distribuição dos benefícios.
II. V. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
A partir da Conferência RIO 92, incorpora-se à discussão Bioética o princípio da precaução. Este seria como garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ainda ser identificados. (CLOTET, 2003)
quinta-feira, 6 de março de 2008
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